terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ERNESTO E BEATRICE




Carta sem data, acredito que década de 1950/1960, provavelmente de Mário Capozzi para sua prima Katie (Katryn), filha mais velha da irmã de seu pai, Beatrice Marino Agarla. Original em italiano, traduzido por Cleibe Ferreira. Com comentários. É longo, mas interessante ....


"HISTÓRICO DA FAMÍLIA “DRAMMIS" 
Como poderá ver a família Drammis é original da Espanha e temos como avô o Barão Antônio, filho de Salvatore.
Até 1924 nosso pai Ernesto nunca se manifestou com respeito à sua família. Quando nós lhe perguntávamos alguma coisa, ele sempre nos respondeu que não tinha parentes e que seus pais eram varredores de rua. Infelizmente à nossa insistência em querer saber algo se seus parentes ele negava terminantemente a se enredar sobre este tema, mantendo-se em um mutismo difícil de compreender. 
Em certo dia de 1924, no entanto, começou a conversar um pouco sobre este mistério da seguinte maneira:
Tendo ido dar um passeio quando voltou percebemos que chorava, mas assim mesmo negou-se a dizer o motivo. Certo dia, porém, veio visitar-nos uma senhora com uma idade já bem avançada e disse ser natural da Calábria e ela começou o relato.
Disse ter um dia visto nosso pobre pai em uma rua da cidade e quando o viu imediatamente o reconheceu, o chamou e aproximando-se o abraçou, exclamando : “Oh! Meu Deus, é você Ernesto!”. Papai quis negar e lhe disse que talvez fosse um erro mas ela replicou que o conhecia muito bem e que ela o havia criado na sua infância e na sua adolescência e então papai não teve mais força de negar, confessando ser ele. 
Nós ficamos muito emocionados com papai depois que esta gentil senhora nos narrou os profundos desgostos e a morte de nosso pobre avô que foi em 1910.
Esta senhora se chamava Lucrezia Talarico e conforme as suas declarações e de papai ficamos sabendo o seguinte da família Drammis, relacionadíssima e da fina flor da sociedade, nobre e rica do sul da Itália, tendo como chefe no seu tempo o Barão Antônio Drammis, pai legítimo de Ernesto, Beatrice e Guglielmo e sendo sua mãe Maria José, tendo estes sido criados no meio da abundância e portadores de fina educação.
O nosso avô Drammis era casado em segundo matrimônio não havendo desta união nenhum herdeiro mas tinha um filho de criação o qual se chamava Carmino que foi tratado e educado como os filhos legítimos."
Até onde pesquisei Antônio Drammis teve dois relacionamentos não oficiais, não legitimados. O primeiro com Maria Giuseppa Marino, com quem teve os filhos Ernesto Capozza (nascido em 1869) e Beatrice Marino (nascida em 1881). O segundo relacionamento foi com Filomena Macri, com quem teve o filho Guglielmo Drammis (nascido em 1886, reconhecido como filho natural em 1899). Carmino deve ter sido criado pela família (veja no quadro acima). Antônio faleceu em 1910 e sua segunda companheira, Filomena Macri, faleceu em 1928.

    

"A tia Isabela, a qual você se referiu, era parente por parte de mãe do nosso pai; uma tia de nosso pai se chamava ______ (em branco) ou seja a chamávamos de Mica sendo ela uma concertista de piano e harpa. Veja se pode recordar-se ou talvez a sua mãe recorde este fato." 
Não descobri nada sobre a tia Isabela. Antônio Drammis teve ao todo 6 irmãos, entre eles Domenica Drammis, conhecida como Mica, provavelmente a irmã mulher mais velha, nascida em 1838, "foi enviada à Nápoles para estudar e frequentar a mesma escola das filhas do Rei  ...ela tocava piano muito bem ... "  foi prometida a um Marquês napolitano mas era apaixonada por um administrador de seu pai. Para saber mais sobre ela clique aqui  e aqui.
"Lucrezia continua :

Beatrice, moça muito bonita e elegante era a rosa dos Drammis, única filha mulher e portadora de uma grande cultura era a maior amiga de seu irmão Ernesto, esse muito estouvado, devasso e boêmio, se dedicava a todas as espécies de divertimento que muito desgostava o seu pai. Beatrice sempre procurava cobrir a sua falta esperando-o sempre até tarde da noite. Beatrice ao completar 22 anos foi obrigada a casar-se com um nobre, coisa esta que era muito tradicional naquele tempo, mas Beatrice revoltou-se contra a decisão dos pais ocasionando-lhes grande desgosto. Nesta época conhece um farmacêutico de nome Angelo Argala (me parecia que fosse lucchese) e sem o consentimento paterno casaram-se e partiram para a América do Norte."
O correto seria "partiram para a América e casaram-se". Angelo Agarla imigrou para os EUA em 1894, veja aqui e Beatrice alguns anos depois, em 1903, veja aqui.  Casaram em 26 de setembro de 1903, alguns meses após sua chegada aos EUA, veja aqui e tiveram três filhos. No seu Registro de Óbito, aqui, consta como nascida em 29 de julho de 1881, teria portanto 22 anos quando imigrou.
"Este fato ocasionou um forte abatimento ao Barão Drammis e decidiu não dar-lhe nada de sua herança mas ela não se importava com isto e manteve sempre correspondência com seu irmão Guglielmo (seu irmão mais novo) e de quem meu pai mais tarde obteve o endereço da tia Beatrice ou Bigi como intimamente a chamávamos."
Guglielmo, assim como Beatrice e Ernesto, era filho não legítimo de Antônio Drammis. No entanto, ao contrário dos outros, foi reconhecido pelo pai como filho natural em 19 de julho de 1899. Ele nasceu em 24 de dezembro de 1886, tinha cerca de 10 anos de idade quando seu irmão Ernesto imigrou para o Brasil.
"Ernesto, filho legítimo do Barão Antônio Drammis, deixou sua casa quando tinha cerca de 30 anos e sendo jovem, inteligente e astuto era o orgulho e a esperança de seus pais na continuação da tradicional família. Mas sempre dedicado a uma vida boêmia cheia de vícios e mulheres, porém caridoso e nobre na expressão da palavra coisa de que até hoje somos orgulhosos, teve uma discussão com seu pai, ficando muito triste e influenciado por más companhias abandonou tudo e todos partindo para o Brasil. Passado certo tempo e sentindo-se corroer pelo remorso e com saudades procurou retornar à Itália com o mesmo navio porém já era tarde porque o vapor havia já deixado o porto e então veio a São Paulo e onde se estabeleceu, sempre triste do que havia feito e nunca mais deu notícias suas a sua família, como fez tia Beatrice sem nunca revelar a sua verdadeira origem, escondendo também dos seus próprios filhos.

O sobrenome Capozzi foi originado do seguinte: em 1896, o barão não queria que Ernesto fosse chamado a fazer o Exército porque possivelmente deveria ser mandado à África, justamente porque naquela ocasião a Itália estava em guerra com Menelik e por isto ele procurou fazer documento com o nome de Capozzi que era um seu parente que não tinha nenhum filho. Assim, ele passou a assinar como sendo Ernesto Capozzi e não Ernesto Drammis."
A Itália era nação recém unificada no final do séc. XIX ... Era país agrário e pobre que quis participar da colonização da África. Na época só a Etiópia e a Libéria eram países independentes, não colonizados.  Foi pela Etiópia que a Itália começou sua expansão em solo africano. Em 1887, 7 mil etíopes massacraram cerca de 500 soldados italianos na Batalha de Dogali. Talvez aí tenham começado as preocupações do pai do jovem Ernesto, que na época contava com 18 anos. Menelik II foi Rei da Etiópia entre 1889 e 1913, seu governo manteve relações tensas com a Itália por todo período.

Pessoalmente, penso que é mais fácil um filho de pai desconhecido não ser convocado para o Exército do que o contrário. Não sei como era a legislação italiana da época.

Ernesto foi reconhecido filho natural de Tommaso Capozza em março de 1889, com 19  anos de idade, em anotação feita à margem de seu registro de nascimento. No anterior era filho de pai "N.N." e levava o sobrenome de sua mãe,  Marino e não  Drammis.
Filho natural é o filho de pais não casados, também conhecida como filiação ilegítima, adulterina ou bastardia. Ou seja, Maria Giuseppa Marino e Tommaso Capozza não eram casados. Aqui no Brasil o termo não é usado desde 2003, sendo considerado difamatório e preconceituoso, tudo se simplificou com o exame genético.
"N.N." é "Nomen nescio", significa não nomeado, leia mais aqui
O Oficial do Registro Civil de Scandale, na época, era o próprio Barão Antônio Drammis.

"Ernesto vem ao Brasil com este nome arranjado e firmou-se aqui constituindo a sua família.

Beatrice e Guglielmo estavam sempre com o pensamento em nosso pobre pai e quando tia Beatrice preparava-se para vir visitar-nos, morreu."
Beatrice faleceu aos 50 anos de idade, dia 30 de dezembro de 1931, veja aqui . Ela era nascida dia 29 de julho de 1881. Era portanto 12 anos mais nova que seu irmão Ernesto Capozza.
"Guglielmo morreu em 1938 com 47 anos mas nós escondemos este fato sempre do nosso pai porque ele estava muito adoentado e não era conveniente. No entanto, poucos meses antes de sua morte é que soube deste fato e isto certamente também contribuiu para a proximidade de sua morte."
Guglielmo faleceu em 1938, mas contava com 51 anos de idade.
"Quanto a Carmino, o irmão Antônio teu velho conhecido, me disse certa vez que você se referiu aos seus filhos que viviam em uma outra parte e que não havia notícias.

Assim Katie, a sua mãe adotando Moreno (Marino) e o pai de Capozzi passaram a vida escondendo como se fosse um sonho ou talvez uma história do tempo das fadas as aventuras de sua vida, sofrendo com um sorriso e com grande nobreza de um coração este que não queria revelar o que revelaram e que nós não havíamos nunca compreendido."
Beatrice e Ernesto tinham, além do mesmo pai, a mesma mãe. No Registro de Nascimento, a mãe de Ernesto Capozza é Maria Giuseppa Marino e o sobrenome de solteira de Beatrice também é Marino, veja aqui.

Essa carta também se encontra no site de Sérgio Capozzi, aqui



Nenhum comentário:

Postar um comentário