As
fazendas que optaram pelo sistema de parceria deveriam ter as casas para os colonos (colonia), mas quando chegaram à
fazenda Santa Justa a maioria deles foi alojada em barracas, pois nem
todas as casas estavam prontas. As casas teriam quatro cômodos,
sendo uma cozinha mais três peças, seriam casas “bem pintadas
e cobertas de telha”.
No
navio Lorenz em 1852 vieram 185 colonos em 30 famílias para
trabalharem na Fazenda Santa Justa. Em 1860 já eram 141 colonos em
35 “fogos”, cinco casas a mais. Muitos já haviam abandonado a
fazenda enquanto outros casaram e constituiram família, como por
exemplo Marie Louise e Raimund Jacobi que tiveram dois filhos nesse
período. O capitão do navio Lorenz, sr. L. Saabye conta que os
imigrantes que vieram no seu navio “moram todos juntos numa
pequena área. No total estão alojados mais de 600 cabeças para as
quais serão contratados um religioso e um professor”. Contudo,
o inventário realizado pelo Instituto Cidade Viva não
localiza as casas dos colonos na Fazenda Santa Justa, apenas uma casa
de colono aos fundos da sede. O pastor e o professor jamais foram
contratados, os sacramentos religiosos eram dados pelo pastor de
Petrópolis em visita periódica às fazendas.
É
difícil calcular o números de escravos durante a existência das
colonias de parceria (1852-1861). Sabe-se que em algum período entre
1862 e 1872 a fazenda chegou a ter 2.000 escravos e que em 1872 tinha
167 cativos.
Escravos
e colonos alemães não se encontravam durante a jornada, não
trabalhavam juntos. Mas conta Johann Kühl que
“o que nos chamou imediatamente a atenção, e do que não
gostamos, foi a visão de três negros amarrados por correntes a um
tronco. Nós estávamos entre escravos.”
“Os negros tiveram um tratamento muito pior para suportar... Estes deviam colher diariamente a sua quantia estipulada de café, caso contrário, eram agredidos ou não receberiam comida. Para os castigos eram escolhidos alguns mulatos bem fortes que amarraram fortemente suas vítimas e com todo ódio os açoitavam. Nós podíamos assistir a tudo, já que as nossas malocas ficavam ao lado da dos negros; o nosso lado era separado dos negros apenas por uma cerca de estacas.”
“Os negros tiveram um tratamento muito pior para suportar... Estes deviam colher diariamente a sua quantia estipulada de café, caso contrário, eram agredidos ou não receberiam comida. Para os castigos eram escolhidos alguns mulatos bem fortes que amarraram fortemente suas vítimas e com todo ódio os açoitavam. Nós podíamos assistir a tudo, já que as nossas malocas ficavam ao lado da dos negros; o nosso lado era separado dos negros apenas por uma cerca de estacas.”
O trabalho dos colonos nas fazendas de café consistia principalmente na colheita dos grãos de café, mas também em alguns casos na derrubada e queimada da mata e por fim na semeadura dos grãos. Em 1822 o viajante Saint-Hilaire conta que “quando alguém quer fazer uma plantação nova de café abstem-se de colher os frutos de um cafezal velho, estes caem no chão, aprodrecem … germinam”, o plantio de mudas é de período posterior. A colheita e o beneficiamento era a parte mais complicada, que incluia secagem, peneiração e ensacamento. Os colonos deviam também capinar entre as fileiras de café e descoroar as árvores para que não ficassem muito altas.
Marc Ferrez, 1885, colheita de café |
O número de pés de café para cultivo, colheita e beneficiamento, era atribuido de acordo com o tamanho de cada família. Entre 1.000, 2.000, 2.500 pés de café. Isso era motivo de muita discussão, afinal pés de café muito novos ou muito velhos pouco produziam !! A coffea arábica demorava 4 anos para começar a produzir, e o pagamento da viagem, estadia, roupas, mantimentos, … dependia da boa colheita e esta da idade dos pés de café. Vendido o café, metade do lucro líquido era o pagamento para os colonos, depois de se descontar as despesas com transporte, comercialização, impostos, etc..
do vale do rio Paraíba fluminense para o porto do Rio de Janeiro |
A
pesquisadora Débora B. Alves coletou na Alemanha algumas cartas
escritas por imigrantes das fazendas de parceria em 1852. Essas
cartas foram publicadas e usadas na promoção da imigração e em
alguns aspectos devem ser lidas com parcimônia. Nelas observa-se uma
grande preocupação com a alimentação, que parece ser a carência
principal dos que vieram para o Brasil. Contam que comem carne
diariamente, toucinho, batatas (que dão 3 safras ao ano !!), farinhas,
pão, frutas, banana, laranja, legumes, pepinos, alface, …
Os
colonos podiam cultivar pequenas hortas para consumo entre as filas
de café enquanto as plantas eram novas e depois disso o fazendeiro
indicava um outro local para esse plantio. Geralmente se plantava
milho, feijão e arroz. O excedente poderia ser vendido e metade do
lucro ia para o fazendeiro mas em alguns casos eram impedidos pelos
capatazes das fazendas de produzir esse excedente, sem a venda de
excedentes demorariam mais a pagar seus débitos.
Contrapondo-se
às cartas coletadas por Débora Alves está a carta de Johann Kühl
de onde extrai-se que a “terra
para plantar era insuficiente, pois recebemos muito pouco para
podermos plantar o milho para o pão. Tudo o que tínhamos que
comprar era muito caro. O dinheiro que trouxemos, para as primeiras
necessidades, foi diminuindo e começou a miséria. Nossa família
era grande, e a maioria ainda não estava apta ao trabalho. Durante
todo um ano tivemos que comer feijão sem gordura.”
Algumas
das tradições como a caça por exemplo foram mantidas. Caçavam
macacos, porco do mato, usavam as florestas próximas, porém
sentiam falta dos cães de caça. Também formaram um coro com 13
homens.
Como
bons alemães, gostavam de cerveja. E a cervejaria mais próxima
estava em Petrópolis a 60 km de distância. “.. se o taberneiro
Walther tivesse vindo, em breve haveria também cerveja. Walther,
venha, tenho sede”.
Abaixo, utensilios de cervejaria antiga.
Abaixo, utensilios de cervejaria antiga.
Fonte: fvb-bdm.de |
Num primeiro momento os imigrantes acreditaram que rapidamente saldariam a dívida do transporte, adiantamentos, alugéis, etc.. escreveram em suas cartas : “temos a esperança de, em poucos anos pagar, com nosso trabalho, o custo de nossa travessia”, “nosso senhor, que se chama Bellens, garante que quem for em certa medida fiel conseguirá dentro de dois anos quitar as suas dívidas”, mas ficaram presos aos fazendeiros pelas dívidas, conhecidos como escravos brancos ou escravos por dívidas. O que deveria ser pago em dois anos acabou sendo pago depois de nove, dez anos.
Três
Relatórios, dois provinciais e um imperial, publicados entre 1858 e
1861, fazem referência ao pagamento das dívidas pelos colonos das
fazendas de parceria do Rio de Janeiro. O primeiro deles, de 1858, o
Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na segunda
sessão da décima legislatura feito pelo Ministro e Secretário
d'Estado dos Negócios do Império, Marquez de Olinda no Rio de
Janeiro lê-se que das fazendas de parcerias fluminenses, os colonos
da Independência já estão com as dívidas “praticamente pagas”
e que os pagamento dos colonos da fazenda Santa Justa “marcham
bem”.
O
segundo, de 1860, o Relatório apresentado
a Assembléia Legislativa provincial do Rio de janeiro na 1° sessão
da 14° legislatura pelo presidente, feito pelo doutor Ignácio
francisco Silveira da Motta conta que os colonos “ainda devem
passagens e outras despesas”.
Já
no terceiro, de 1861, o Relatório da
Repartição dos Negócios da Agricultura, Commércio e Obras
Públicas apresentado à Assembléia Geral Legislativa na primeira
sessão da décima primeira legislatura feito pelo respectivo
Ministro e Secretário de Estado Manoel Felizardo de Souza e Mello,
Rio de Janeiro, lê-se que
Ao
contrário do que se lê nos Relatórios Ministeriais e Provinciais
sobre o bom andamento das colônias de parceria, após a visita dos
ministros prussianos Sr. de Meusebach e Sr. von Tschudi que
observaram as reais condições de vida e semi-cativeiro dos colonos,
o governo da Prússia proibiu o agenciamento de imigrantes para o
Brasil pelo “Rescrito Heidt” (o que de fato ocorreu parcialmente
já que inúmeros navios aportaram en Santa Catarina mesmo após essa
proibição).
O
sistema de parceria não atendeu as expectativas nem do imigrante e
nem do fazendeiro. Os fazendeiros acostumados com o trabalho escravo
achavam que o investimento não havia compensado, por sua vez o
imigrante cheio de esperanças via-se como escravo, verdadeiro servo
de gleba feudal.
Raimund
Jacobi que chegou solteiro na Fazenda Santa Justa em 1852, casou e lá
teve dois filhos. Foi para Santa Catarina em busca do sonho de
possuir suas próprias terras em maio de 1861. Assim também
aconteceu com Wilhelm Behringer e Friedrich Uhlmann que viram os
filhos casarem e os netos nascerem em Santa Justa e só em novembro
de 1860 e maio de 1861, respectivamente, foram para Santa Catarina,
para a Colônia Santa Isabel (atual município de Águas Mornas, a
aproximadamente 30 km. de Florianópolis) nove anos depois de terem
chegado ao Brasil.
A
partir da segunda metade do séc. XIX a lavoura cafeeira começa a se
expandir em solo brasileiro, atingindo os estados do Espírito Santo
e oeste paulista. Com o fracasso das colonias de parceria e com fim
da escravidão em 1889, nova mão-de-obra em novo sistema de trabalho
se faz necessária: começa a chegada em massa de imigrantes
italianos. Mas essa já é uma outra história.
Fonte: José Dantas, História do Brasil |