terça-feira, 29 de setembro de 2015

TAQUARITINGA


Foram poucos os anos da família na cidade de Taquaritinga, antiga Ribeirãozinho, entre 1897 e 1915 aproximadamente.  Estando por lá eu procuraria:

1. a estação ferroviária de Guariba-SP, cerca de 40 km de Taquaritinga, onde desceram Giuseppe Siggia, mulher e filhos, quando chegaram a sua nova vida.


2. os restos mortais e imortais da Fazenda São Domingos, onde viveram Calógera, Giuseppe Siggia e filhos,

3. também os restos da Fazenda Grama, onde viveram Agnesa, Ernesto Capozzi e filhos,

4. a Capela dos Ss. João Batista e Antônio, no distrito de Jurupema, onde foi batizada a pequena Amélia. Atualmente existem a Igreja de São João Batista (abaixo) e a Capela de Santo Antônio (saída para o bairro Anhumas),


O batismo de Amélia guarda um mistério. Porque foi realizado numa capela tão longe das Fazendas São Domingos e Grama ? Na verdade, no extremo oposto na cidade.


5. daria uma boa volta na região central de Taquaritinga,



6. procuraria o Grupo Escolar onde estudaram minha avó e alguns irmãos


7. procuraria a Igreja de São Sebastião do padre Ruffo citado por Antônio Capozzi, provavelmente  frequentada pelos Capozzi's.

Pediria, na Secretaria, licença para ver os livros de batismos e procuraria o nome de minha avó e meus tios-avós, para saber quando, onde e por quem  foram batizados.

Tudo bem que esse novo prédio é da década de 1940, mas os velhos livros, com certeza, estão lá .... um pequeno guia para visitar a igreja está aqui.


8. procuraria um bom almoço regional,

9. visitaria o Arquivo Público da cidade, para vasculhar mais alguma coisa .... será que tem ??

Fotos:  na primeira foto o autor está nomeado, a segunda é daqui, as demais do Panoramio

Bibliografia sobre a cidade de Taquaritinga disponível na Plataforma Verri, clique aqui.








terça-feira, 22 de setembro de 2015

VAMOS PRÁ ESCOLA !



Dos treze filhos de Agnese Siggia e Ernesto Capozzi, nove nasceram em Taquaritinga. Somente depois de 1915 a família mudou para São Paulo, onde nasceram mais quatro crianças. As crianças precisavam ir para a escola!!

Em janeiro de 1914, foi inaugurado o Grupo Escolar de Taquaritinga, atualmente E.M. Domingues da Silva, localizado na rua Visc. do Rio Branco 719, Centro. Segundo Milve Peria, antes dessa data ....
" ... já existiam em nossa cidade (Taquaritinga) nove classes, mas se encontravam espalhadas em diversos locais. Havia necessidade de agrupá-las. " Daqui. 


Reparem que o Grupo possui seções separadas para meninas e meninos.  E que alunos fizeram parte da primeira turma do Primeiro Grupo Escolar de Taquaritinga, em 1914 ???

Na seção feminina estavam as alunas;
Amélia Capozza - 2º ano "B" - professora Maria Candida Fernandes
Luiza Capozza - 3º ano - professora Amélia Araújo

Na seção masculina estavam os alunos:
José Capozza - 1º ano "C" - professsora Isabel Avellar Pegado
Antônio Capozza - 2º ano "B" - professor Jorge Gomes do Val

No 2º ano "A" estudava um amigo de Antônio Capozza, Luiz Falcone, que anos depois lhe enviou um jornal comemorativo de agosto de 1981, que já disponibilizei na postagem anterior. Nesse mesmo jornal, Antônio Capozza faz referência a Herculano Rangel,  professor do 3º ano e do 4º ano, na seção masculina.


A inauguração da escola e também seu diretor Dalmo Braga, também fizeram parte das doces memórias de Antônio Capozza.


A grafia do nome nas fichas dos alunos é Capozza e não Capozzi.



As crianças Capozzi, na época em que estariam frequentando o Grupo Escolar: minha avó Luiza a esquerda e Antônio a direita, na frente de minha avó Thomas, sentado na cadeirinha Albino, atrás da caderinha José.

Primeira foto: Daqui

Para saber mais sobre a escola, clique aqui.

Obrigada, sr. Milve Peria, por todas essas maravilhosas informações !!







terça-feira, 15 de setembro de 2015

TAQUARITINGA NÃO SE EXPLICA; SE AMA

Carta do leitor Antônio Capozzi ao jornal Cidade de Taquaritinga, provavelmente publicada nos primeiros dias de setembro de 1981. Através dela podemos conhecer um pouco da Taquaritinga de nossos avós ou pais.


"Taquaritinga não se explica; se ama"
"Todos nós achamos que ninguém gosta mais de Taquaritinga do que nós mesmos. Em conversa em nossas falas públicas, temos dito sempre isto, o amor que temos por nossa terrinha é tão grande que parece ser só nosso, mas não, ele é de todos como também de todos é esse solo bendito. Esse amor provoca muita coisa como por exemplo esta carta, que transcrevemos na íntegra, como uma homenagem àqueles que nem sequer acreditamos existir, mas que reuniram doces lembranças, acalentadas saudades como, temos certeza, estas que motivaram um homem de 77 anos a se corresponder conosco".
"São Paulo, 24 de agosto de 1981, Ilmo Senhor Dr. Hamilton Roberto de Aiélo, DD Diretor do Jornal CIDADE DE TAQUARITINGA"
"Prezado senhor,  Em minhas mãos, dádiva de meu velho e tradicional amigo Luiz Falconi, e com reportagens preciosas dedicadas a mais um aniversário de nossa cidade, um número de vosso brilhante CIDADE DE TAQUARITINGA com referências eloquentes e comoventes sobre a festiva efeméride."
Dia 06 de agosto é o aniversário de Taquaritinga e o jornal fez uma edição especial, comemorativa. Antônio Capozzi, nosso querido tio Tonico, recebeu um exemplar através de seu amigo Luiz Falconi. Antônio e Luiz Falconi foram amigos desde a infância, ambos estudaram na mesma escola, no Grupo Escolar de Taquaritinga. 
"Permita apresentar-me; Antônio Capozzi, Taquaritinguense nato, com 77 anos de idade, filho de Ernesto Capozzi ou Capozza (um dos desbravadores dos primitivos rincões da velha Ribeirãozinho) e que, por circunstâncias próprias da vida, ausente dessa cidade, no entanto sem esquece-la, desde os longínquos anos de 1915 ou 1916."
"Meu progenitor, proprietário de carpintaria e serraria e construtor de inúmeras propriedades em todo esse município, transportou-se para esses rincões, vindo de sua bela Itália, em companhia de Jacomino Pagliuso, lá pelos anos de 1896 e, daí, em diante, integra-se de corpo e alma à nova terra e participa em todos seus movimentos, políticos ou não, que surgiam a todo instante." 
 "Meu pai pertenceu aos extraordinários tempos do gatilho e do chumbo. Pertenceu aos tempos dos famigerados Vaca Brava e Dioguinho, aos tempos em que as mortes e emboscadas primavam em nossa terra, aos tempos dos Mendonça, dos Zacaros, Mezearras, Acorsi, Zoratti e muitos outros que no momento fogem à minha memória."
Como escreveu o próprio leitor Antônio Capozza, a cidade viveu tempos de lutas e tiroteios. Em 1902, um ano antes do nascimento do querido leitor,  Taquaritinga foi palco de  um acontecimento histórico interessante. Insatisfeitos com a proclamação da República, alguns coronéis e cidadãos se rebelaram, queriam a volta da monarquia. O movimento durou apenas um dia e ficou conhecido como a Revolta de Ribeirãozinho, para saber mais, clique aqui. Entre os líderes da revolta estava um Mendonça. Realmente, eram os tempos do pai de Antônio.

" .... E todos naquele pequeno amontoado de casas (Vila de Ribeirãozinho), homens e mulheres, diziam isso com um misto de respeito e pânico. Galinha era para eles sinônimo de opressão, de horror, smente tinham um desejo : fugir, escapar para não levar uma formidável surra e serem obrigados a contar o que se passava na Vila. Tinham medo, porque quando fosse embora o galinha lá estariam os bandoleiros famosos como o Vacabrava e o Canguçú. Era a atmosfera do  tempo. Ou banditismo ou a implacabilidade das capturas." Figueiredo, pg.19.

Para saber mais sobre os tempos de bala em Taquaritinga sugiro o livro Eu sou a Lei: Tenente Galinha, caçador de homens, de Adherbal Oliveira Figueiredo. Comprei o meu na EstanteVirtual.
"Pertenceu aos tempos das brigas das bandas de música, lá pelos anos de 1912 ou 1913, banda do maestro Stabile e banda do maestro Bachega, que se degladiavam a tiros em plena rua do Comércio ou em outro lugar qualquer que se encontravam."
"E que mais poderei lembrar, hoje, quando a saudade me dilacera a vida ? Direi alguma cousa mais se V.Sa. permitir, muitas foram omissas em suas notas comemorativas da aniversariante, ei-las:"
"Lembro, 1906 ou 1907, restos de cemitério antigo localizado onde hoje acha-se o jardim principal da cidade; lembro-me dos lampiões propulsionados a querosene, dos Hermistas e Civilistas lá pelos anos 1912; lembro-me das escolas públicas, dos professores Galina, Herculano e D. Quininha; lembro-me das populares figuras de Marchetti e Rimondinho, que pelas ruas de nossa cidade a todos alegravam; lembro dos primórdios de 1913, a surgir o primeiro automóvel em nossa cidade e que pertencia a um dos Acorsi daqueles tempos; lembro-me, mais ainda, em 1914, no então campo de futebol pertencente aos Pallas, a maravilha até então nunca vista, um minúsculo avião francês a realizar um pequeno vôo para gáudio e estupefação de nossa gente; mais ainda, um balão tripulado a subir e que nos deixaram estupefatos com o que víamos."
 "E das lutas políticas, o que dizer ? Mortes e mais mortes, tiroteios e mais tiroteios, lutas políticas, entre as quais me lembro uma em que foi vítima um médico de nacionalidade italiana, Dr. Zacaro."
"O que mais ? Lembro-me em 1914 a inauguração do nosso hoje velho grupo escolar, cujo diretor foi Dalmo Braga; ..."
Sobre esse Grupo Escolar, sobre alguns alunos e professores, falaremos em outro artigo.
"... lembro-me do lendário padre Rufo ..."
 Padre Ruffo, que batizou a filha Amélia de Ernesto, na Capela dos Ss. João Batista e Antônio no distrito de Jurupema, no ano de 1902, veja aqui. Provavelmente batizou outros tantos Capozzi's.
" ... e mais ainda, uma maravilha das arábias, uma estrada com trilhos de madeira a ser percorrida por automóveis devidamente adaptados em direção a Jaboticabal e lembro ainda das raias para corridas de cavalos."
 A estação ferroviária de Ribeirãozinho é de 1901, alguns anos depois da fundação da cidade. Fazia parte da linha tronco da Estrada de Ferro de Araraquara (EFA). Para saber mais sobre essa estação ferroviária, clique aqui. A foto abaixo é da estação no ano de 1940, do mesmo site citado anteriormente.

Imagino a bagunça dessa criançada, quando viajou de Taquaritinga para São Paulo, em 1915/1916, o casal mais nove crianças, sendo a mais velha com 14 anos e o bebê com alguns meses !! A primeira vez num trem, cerca de 350 quilometros, quase um dia de viagem ...


"O que mais ? Quase esquecia-me, um seu ancestral, o altíssimo maestro de música Aiéllo. Perdoa-me caro Dr. Hamilton, nesses dias de aniversário, a fim de suavizar as saudades que sinto, não tive outro recurso a não ser escrever essas linhas e felicitá-lo pelas belíssimas onomásticas de nossa bela, cada vez mais bela Taquaritinga. Muitas felicidades e muito agradecido, De V.S. ANTÔNIO CAPOZZI" 


terça-feira, 8 de setembro de 2015

A IMIGRACAO E O CAFE


Mais um pouco sobre o café, que me persegue .....

Acho  que se não fosse ele, eu não seria eu, meus irmãos não seriam meus irmãos, e provavelmente você não seria você ...

O café chegou ao Brasil, mais precisamente ao Pará, em 1727 pelas mãos da sra. Palheta. Chegou ao nordeste do estado de São Paulo em meados do séc. XIX, mais de cem anos depois. 

O início do cultivo foi no Rio de Janeiro, no sudeste brasileiro e seguiu para o oeste fluminense, no vale do rio Paraíba (região de Vassouras), daí para a região nordeste paulista (região de Bananal), se expandindo ao oeste paulista. 

O mapa abaixo mostra a extensão aproximada do cultivo do café em 1901, disponível na Biblioteca Brasiliana.


A expansão dos cafezais no estado de São Paulo está intimamente relacionada à construção das ferrovias e ao aumento da imigração. 

FERROVIAS

No leste paulista as ferrovias foram construídas depois das fazendas cafeeiras estarem instaladas; seguindo em direção oeste, ao chamado velho oeste paulista, próximo à cidade de Campinas e região, o plantio de café e a construção de ferrovias andaram de mãos dadas; e continuando em direção ao extremo oeste paulista, já no inicio do séc. XX, o chamado novo oeste, as ferrovias precederam as fazendas cafeeiras.

Para saber mais: Carvalho, Diego Francisco de - Café, ferrovias e crescimento populacional: o florescimento da região noroeste paulista, disponível on-line aqui

IMIGRAÇÃO

Quando as idéias abolicionistas tomaram força no Brasil, os grandes fazendeiros começaram a pensar numa alternativa à mão de obra escrava, que fosse igualmente  barata. Claro !!

Num primeiro momento pensaram em "colônias de parceria" e trouxeram imigrantes europeus da Suiça e Alemanha (Olha os meus aí !! Meu trisavô Raimund Jacobi e meu tetravô Wilhlem Behringer, 1852). Para saber um pouco mais sobre colônias de parceria, clique aqui.  

Fracasso total ....

Depois pensaram em chineses, mas a imigração dos coolies também não deu certo.

Então, pensaram em italianos (olha os meus aí, de novo, Giuseppe Siggia) .... que começaram a chegar em 1870.
"O passo decisivo foi dado em julho de 1886, quando famílias importantes da cafeicultura paulista, como os Prado, os Souza Queiroz e os Paes de Barros, fundaram a Sociedade Promotora da Imigração, destinada a incentivar a imigração estrangeira em larga escala para o estado." Daqui.
Essa Sociedade era a responsável pela propaganda e divulgação da demanda de mão-de-obra em cafezais paulistas,  pela seleção e encaminhamento de imigrantes. Ela construiu a Hospedaria dos Imigrantes para acomodá-los temporariamente e também o ramal ferroviário anexo, Estação Braz.

Essa  Sociedade buscava  mão de obra, principalmente italiana, principalmente do norte da Itália e de famílias inteiras, não de homens solteiros. Ela subsidiava as passagens e os primeiros dias de estadia na Hospedaria dos Imigrantes. Esse perfil era o oposto do que ocorreu nos EUA e na Argentina, que não subsidiavam e aceitavam homens solteiros, sem as famílias. Como escreveu  Truzzi :
"... papel ativo da Sociedade Promotora da Imigração ... arrebanhar famílias próximas da miséria e dispostas a cruzar o Atlântico com passagens pagas pelo estado
Cerca de 60 % dos italianos chegados entre 1888 e 1914 tiveram passagens pagas pelo estado, eram imigrantes subsidiados. 

E porque esses italianos queriam imigrar ?
"Enquanto o Brasil precisava de braços para a lavoura, a Itália enfrentava um grave problema de superpopulação nos campos e crise de desemprego. Nesse momento, foi a extrema miséria, mais que o desejo de "fazer a América" a motivação que levou os italianos a abandonar a terra natal". Martins
Segundo o IBGE entre 1870 e 1920 mais de 3 milhões de italianos entraram no país, correspondendo a 42% de toda imigração brasileira. Em 1900 cerca de 20% da população paulista era estrangeira. Para saber mais clique aqui.

O café foi, e ainda é, importante para a economia brasileira,  atualmente o país é responsável por cerca de 30% do café mundial.



Fontes:

Além das já citadas,

Holloway, Thomas - Imigrantes para o café, 1984, São Paulo, Ed. Paz e Terra

Martins, Ana Luiza - Império do café, a grande lavoura 1850-1890, São Paulo,  1999, Atual, coleção História em Documentos,   disponível on-line aqui. (Muito bom !!!)

Mazutti, Sílvia Maria - Italianos em formação, UFSCAR online aqui

Truzzi, Geraldo - Identidade étnica entre italianos no mundo rural paulista, online, aqui.

Uma visita ao Museu do Café, em Santos, aqui.

Wikipedia, disponibiliza vários links.

Para fotos sobre o tema, veja aqui

 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

NA FAZENDA SÃO DOMINGOS


Um causo, acontecido na Fazenda São Domingos em Ribeirãozinho, perto de 1915. Sobre um carro de boi assombrado, contado por Horácio Ramalho, extraído daqui. Será que os Siggia ainda estavam lá ? Pode ser .....

"A Fazenda São Domingos empregara, lá pelos idos de 1915, um trabalhador que já estivera nas guerras da Itália e ficara alterado das faculdades mentais.
Era chamado de Rafaelão por sua desmesurada altura. Arredio, falava sozinho, resmungando com voz gaga, entrecortada, grossa e cava. Ninguém queria graça com ele, receavam-no, apesar que quando tentavam o diálogo ou brincadeira, o homenzarrão mais se retraisse. Um dia, como sempre ninguém sabe por quê, Rafaelão pegou um revólver e ao ver passar o preto-velho de nome Maceió, gritou:
- Maceió! Se aprepara, peste! Vou te matar! E atirou mesmo, ferindo-o no braço. Maceió correu para a sede da fazenda procurando o patrão José Ramalho. Este mandou-o tratar e avisar a polícia. No mesmo dia, o sargento do destacamento veio em pessoa para prender o Rafaelão que desaparecera na invernada. Bulha que te bulha, o sargento o acurralou num resto de mata, lá em cima de um pé-de-pau. Deu-lhe voz de prisão. Veio um mundo de bala de volta. Tiro vai, tiro vem, Rafaelão acabou tombando, morto de fuzil Mauser, antes de bater no chão.
Foi um deus-nos-acuda.  José Ramalho mandou um carro de boi buscar o cadáver para levar à cidade. O carreiro foi, fez e voltou, chegando tarde da noite, meio assustado com a carga que transportara. Seu carro sempre fora un dos melhores cantadores da fazenda, de tom baixo, melodioso, contínuo, com o que os bois andavam cadenciados, no passo certo, sem desmandos ou estropelias Ouvia-se de léguas, sendo por todos admirado.
Pois bem: diziam os carreiros e passou-se de geração a geração, que depois dessa viagem funerária tudo mudara... E faziam o diabo para não ter de usar esse carro de boi. Sem motivo concreto, ele, que pelas estradas nunca deixara de encantar com o canto firme, continuado, grave e harmonioso, até em bacada bruta, passara a resmungar baixo, entrecortado, gago, um canto grosso resmungado, parecido com o monólogo desvairado do Rafaelão. " 

Outra história, da mesma Fazenda, do mesmo site, narrada pelo mesmo Horácio Ramalho, antigo carreiro e fazendeiro.

"Na Estrada de Ferro Araraquarense, íamos uma vez da Fazenda São Domingos para a estação com cinco carros de boi carregados de café. Arranchamos perto da Fazenda Figueira. Não tinha muita mata, mas era um pé de serra, de baixada, plano e bem achegado. Fizemos a comida com os caldeirões pendurados nos argolões dos carros pois ameaçava chuva. E veio. Veio de afogar o mundo. Assim que foi embora, o pessoal reuniu-se para a comida."
"Na hora do licor de jabuticaba, pertinho-pertinho ouvimos o esturro forte de uma onça... Largamos tudo, até a garrafa de licor e as canecas, subimos de avoada num dos carros, o Abel, o Amâncio, enfim, todo o povo. Outro esturro, e os bois rebentaram as peias e desandaram no mundo, tropelão desarvorado." 
"Bem na nossa frente, apareceu a pintada, de patonas tortas, calma e dona do seu passo. Veio vindo, comeu das comidas e, espanto: bebeu, com lambidas de quem entende do assunto, o licor de jaboticaba das canecas e o que caía da garrafa. A gente já estava pensando em jogar o preto Amâncio pr'ela, pois o povo diz que onça gosta de carne de africano e vem pelo faro. Mas o Amâncio puxou um garruchão 44, rosnando que se cristão chegasse cristão que matasse, e a gente mudou de idéia. Dissemos que atirasse nela, mas ele disse que a garrucha era só de matar gente. Foi que a onça, depois de comer e beber o de fartar, se ajeitou na trilha e lá se foi num passo meio tropeçado, andando meio de lado, miando meio enrolado... Coisa assim, só pode ser reinação do Perneta!"