Um causo, acontecido na Fazenda São Domingos em Ribeirãozinho, perto de 1915. Sobre um carro de boi assombrado, contado por Horácio Ramalho, extraído daqui. Será que os Siggia ainda estavam lá ? Pode ser .....
"A Fazenda São Domingos empregara, lá pelos idos de 1915, um trabalhador que já estivera nas guerras da Itália e ficara alterado das faculdades mentais.
Era chamado de Rafaelão por sua desmesurada altura. Arredio, falava sozinho, resmungando com voz gaga, entrecortada, grossa e cava. Ninguém queria graça com ele, receavam-no, apesar que quando tentavam o diálogo ou brincadeira, o homenzarrão mais se retraisse. Um dia, como sempre ninguém sabe por quê, Rafaelão pegou um revólver e ao ver passar o preto-velho de nome Maceió, gritou:
- Maceió! Se aprepara, peste! Vou te matar! E atirou mesmo, ferindo-o no braço. Maceió correu para a sede da fazenda procurando o patrão José Ramalho. Este mandou-o tratar e avisar a polícia. No mesmo dia, o sargento do destacamento veio em pessoa para prender o Rafaelão que desaparecera na invernada. Bulha que te bulha, o sargento o acurralou num resto de mata, lá em cima de um pé-de-pau. Deu-lhe voz de prisão. Veio um mundo de bala de volta. Tiro vai, tiro vem, Rafaelão acabou tombando, morto de fuzil Mauser, antes de bater no chão.
Foi um deus-nos-acuda. José Ramalho mandou um carro de boi buscar o cadáver para levar à cidade. O carreiro foi, fez e voltou, chegando tarde da noite, meio assustado com a carga que transportara. Seu carro sempre fora un dos melhores cantadores da fazenda, de tom baixo, melodioso, contínuo, com o que os bois andavam cadenciados, no passo certo, sem desmandos ou estropelias Ouvia-se de léguas, sendo por todos admirado.
Pois bem: diziam os carreiros e passou-se de geração a geração, que depois dessa viagem funerária tudo mudara... E faziam o diabo para não ter de usar esse carro de boi. Sem motivo concreto, ele, que pelas estradas nunca deixara de encantar com o canto firme, continuado, grave e harmonioso, até em bacada bruta, passara a resmungar baixo, entrecortado, gago, um canto grosso resmungado, parecido com o monólogo desvairado do Rafaelão. "
Outra história, da mesma Fazenda, do mesmo site, narrada pelo mesmo Horácio Ramalho, antigo carreiro e fazendeiro.
"Na Estrada de Ferro Araraquarense, íamos uma vez da Fazenda São Domingos para a estação com cinco carros de boi carregados de café. Arranchamos perto da Fazenda Figueira. Não tinha muita mata, mas era um pé de serra, de baixada, plano e bem achegado. Fizemos a comida com os caldeirões pendurados nos argolões dos carros pois ameaçava chuva. E veio. Veio de afogar o mundo. Assim que foi embora, o pessoal reuniu-se para a comida."
"Na hora do licor de jabuticaba, pertinho-pertinho ouvimos o esturro forte de uma onça... Largamos tudo, até a garrafa de licor e as canecas, subimos de avoada num dos carros, o Abel, o Amâncio, enfim, todo o povo. Outro esturro, e os bois rebentaram as peias e desandaram no mundo, tropelão desarvorado."
"Bem na nossa frente, apareceu a pintada, de patonas tortas, calma e dona do seu passo. Veio vindo, comeu das comidas e, espanto: bebeu, com lambidas de quem entende do assunto, o licor de jaboticaba das canecas e o que caía da garrafa. A gente já estava pensando em jogar o preto Amâncio pr'ela, pois o povo diz que onça gosta de carne de africano e vem pelo faro. Mas o Amâncio puxou um garruchão 44, rosnando que se cristão chegasse cristão que matasse, e a gente mudou de idéia. Dissemos que atirasse nela, mas ele disse que a garrucha era só de matar gente. Foi que a onça, depois de comer e beber o de fartar, se ajeitou na trilha e lá se foi num passo meio tropeçado, andando meio de lado, miando meio enrolado... Coisa assim, só pode ser reinação do Perneta!"
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